“Cuidar
do meio ambiente é, para mim, um compromisso de vida, um ministério. Não um
ministério no sentido eclesiástico ou teológico, mas um ministério que tem suas
raízes no cristianismo.” Mariana Silva
“No
princípio criou Deus os Céus e a Terra” Gn 1:1.
Introdução
O
relato da criação descrito no primeiro capítulo de Gênesis mostra-nos um
detalhe importante. Deus cria um mundo harmonioso a partir de uma realidade
caótica. A terra “sem forma e vazia” vai ganhando condições de habitabilidade.
Flora e fauna são criadas e colocadas à disposição do homem. A história é
testemunha de que temos sido negligentes com o meio ambiente. Flora e fauna têm
sofrido prejuízos irreparáveis, e nós estamos sentindo na pele os impactos do
desequilíbrio ambiental.
O
processo de destruição do meio ambiente se acelerou desde a Revolução
Industrial no século XVIII. Além do uso mais intenso dos recursos naturais, o
grande crescimento das cidades sem o aumento das infraestruturas urbanas
colocou a população em condições sanitárias bastante precárias. Rios e riachos
que ocupavam o sítio urbano foram poluídos, tornando-se esgotos a céu aberto,
ou foram desviados, canalizados, assoreados, ou simplesmente desapareceram por
serem aterrados. Houve também um aumento significativo de lixo. O resultado
desse aumento foi o acúmulo desses resíduos em lixões, sem o tratamento
adequado. Séculos já passaram e ainda hoje a cidade sofre com esses problemas.
Os problemas ambientais
são problemas sociais.
A
afirmativa acima é um elemento importante. Somos parte da criação como um todo
e devemos compreender que os problemas ambientais significam muito mais que um
desequilíbrio ecológico; ele é, antes de tudo, um problema social nas cidades. Serão
as pessoas mais pobres que sofrerão de forma mais árdua os problemas ambientais
urbanos. Basta fazermos algumas perguntas: que classe social mora próxima a
leitos dos rios em seus trechos mais degradados e poluídos? Quem mora vizinho a
lixões? Que população habita próxima às áreas industriais e sofrem diariamente
com a poluição? O sistema de saneamento ambiental (água, esgoto, resíduos
sólidos e drenagem urbana) nas cidades é distribuído com equidade? Não precisa
nem responder. Nós já sabemos a resposta.
O
fato é que estamos reproduzindo uma cidade em que algumas pessoas pagam mais
caro por um erro de todos. Isso configura uma desigualdade e uma injustiça. E o
pior: quem paga mais caro é a parcela da população que mais necessita de ajuda.
Somos, enquanto sociedade, culpados por essa desigualdade. De alguma forma, nós
corroboramos com esse sofrimento dos mais pobres.
Mas por que não
percebemos isso?
Historicamente,
negligenciamos muito as questões ambientais. Aliás, vários críticos apontam o
cristianismo como um sistema que não dá importância às questões ambientais.
Para eles, os cristãos não se importam com os elementos da natureza, assim como
fazem as religiões de matriz africana. Os sistemas religiosos de matriz
africana apresentam grande devoção aos fenômenos naturais. Eles mostram reverência
e devoção aos elementos naturais. Eles os respeitam e os temem.
O
monoteísmo judaico-cristão adora a um Deus pessoal que é totalmente diferente e
independente das coisas criadas. Ele não se confunde com suas criaturas. Além
disso, preterimos a ideia de dar grande importância às criaturas. É claro que
Deus não está consubstanciado na natureza, como prega o panteísmo, todavia, as
criaturas de Deus proclamam sua glória. Como propôs o salmista: "Os céus
declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos"
(Salmo 19.1). Se os céus declaram a glória do pai, a negligência de nossa
sociedade a deturpa com uma grande quantidade de poluição jogada na atmosfera e
no aumento do buraco na camada de ozônio. O pecado de nossa sociedade a impede
de ver com clareza a glória de Deus na criação. Todavia, devemos acreditar que
a glória do Senhor encherá toda a terra (Nm 14:21).
Assim na terra como no
céu.
Outro
fator que nos fez negligenciar nossas responsabilidades terrenas foi nossa
busca desenfreada pelo céu. Quando pensamos em aquecimento global, enchentes
nas cidades, surto de doenças em comunidades pobres que moram próximas a rios,
ou deslizamento de terra que acabou com dezenas de casas construídas sobre um
antigo lixão, pensamos no Reino do porvir. Nossa presunção e egoísmo não nos
deixa enxergar que também temos nossa parcela de culpa. E ao invés de repensar
sobre nosso papel na construção da sociedade, alguns usam essas catástrofes
para pregarem um “evangelho” do medo a fim de “converter” as pessoas.
O
Reino de Deus se realiza tanto nessa terra como no porvir. A vontade de Deus
deve se manifestar tanto aqui como céu. O equilíbrio e a harmonia que ansiamos
no céu, devemos ansiar para a terra também.
A nossa cidade
Assim
como nas outras capitais do país, a cidade de Fortaleza apresenta um cenário de
vulnerabilidade para um significativo número de seus habitantes. Os casos mais
emblemáticos são das comunidades que vivem próximo aos leitos dos rios. A maior
parte dessas comunidades está nas margens do rio Maranguapinho, que corta um
trecho significativo da periferia sudoeste de Fortaleza. Aliada à precariedade
social (é nessa área em que se encontram os bairros mais pobres da cidade), a
vulnerabilidade ambiental intensifica o processo de exclusão das pessoas mais
pobres que moram nessas comunidades. Além das comunidades do Maranguapinho,
alguns casos próximos ao rio Cocó e ao litoral (principalmente o oeste) da
cidade também apresentam sérios problemas socioambientais.
Em suma
O
entendimento de nossa cidade é o primeiro passo para refletirmos sobre nossa fé
e nossa relevância social considerando toda criação de Deus. Algumas pessoas
estão sofrendo mais por conta do desequilíbrio causado por todos nós enquanto
sociedade. Além de estender a mão a estes desditosos, é necessário lutarmos
contra toda essa produção desigual do espaço em nossa cidade. Deus nos abençoe.