sábado, 26 de setembro de 2015

O Evangelho para uma cidade desigual: o caso de Babel.


Depois disseram: "Vamos construir uma cidade, com uma torre que alcance os céus. Assim nosso nome será famoso e não seremos espalhados pela face da terra". Gn 11:4
“Os sentimentos mais genuinamente humanos logo se desumanizam na cidade.” Eça de Queirós
INTRODUÇÃO
Diversas críticas já foram feitas aos sistemas religiosos por estes insistirem na separação entre sagrado e profano. Essa separação é vantajosa aos líderes desse sistema, pois, ao desvincular a prática cotidiana da prática espiritual, permite que grande número de fiéis se transforme em pessoas comuns, ao passo que os líderes se “especializam” em práticas espirituais e se tornam indivíduos diferenciados das pessoas comuns.
Outro fato que é resultado dessa separação é quanto à relevância dos templos. A prática religiosa tornou-se essencialmente uma prática entreparedes. O templo passou a ser o lócus da prática religiosa. É claro que várias organizações religiosas estabelecem programas fora do templo. Programas geralmente voltados para um público de pessoas que não faz parte de seu ciclo religioso. São programas proselitistas. Quando estes programas extra templo não conseguem direcionar as pessoas ao templo são tratados como fracasso.
Desse modo, pensar a prática religiosa na rua é algo bastante complicado no atual contexto religioso. Para muitos a rua é local da vadiagem, as esquinas são locais perigosos, ocupadas por pessoas violentas, mas não local de adoração e louvor a Deus. A cidade é totalmente negligenciada e esquecida.
Esquecemos que a cidade é construída socialmente por todos nós. E ela é apenas a materialização de nossas práticas sociais. A cidade é violenta porque pessoas são violentas. A rua é deserta porque pessoas não a ocupam. A cidade é desigual socialmente porque nós reproduzimos essa desigualdade. Quando tememos a cidade, tememos nossa própria condição de homens.
Se levarmos nossa prática religiosa para rua, ao invés de a restringirmos ao templo e aos nossos encontros, poderemos transformar o estado de vulnerabilidade social e ambiental de nossa cidade. Isso só acontecerá quando admitirmos que o Reino de Deus é maior que nosso ciclo religioso. Admitirmos que Deus é o Senhor de tudo e de todos. Admitirmos que todos podem ser “cidadãos” do Reino do Pai. Se nossa relação com Deus pode nos transformar, então também podemos transformar a cidade!

Uma cidade desigual: o retrato da negligência com o meio ambiente e com o próximo.
O relato de Genesis 1 e 2 mostra um Deus criador prezando e responsabilizando o homem pela sua criação. De uma terra caótica, “sem forma de vazia”, Ele estabelece um equilíbrio entre os seres vivos. O pecado é quem desfaz o equilíbrio pensado por Deus. Uma sociedade desiquilibrada é resultado do pecado.
Os problemas sociais de nossa cidade só mostram nossa negligência em não observar os princípios da criação e o amor ao próximo. Falamos de “próximo” aqui considerando toda humanidade.
A cidade de hoje é bem diferente da que imaginávamos há algumas décadas. Com os avanços na tecnologia, na política e nos direitos individuais, poderíamos ter construído a cidade marcada pela liberdade, igualdade e fraternidade. Cidade onde todos tivessem oportunidades de emprego e acesso à cultura e ao lazer. Mas fizemos justamente o contrário. Construímos a cidade da competição. Na cidade não há espaço para todos. Uns devem morar bem, outros devem se sujeitar à precariedade e sobreviver em condições muito ruins.
A competição gera solidão. Não é difícil encontrar pessoas que não se relacionam com seus vizinhos ou até nem sabe seus nomes. Não há comunicação. Poderíamos até dizer que a cidade de hoje é uma grande Babel. Aquela velha história do povo que se reuniu numa planície nas terras da antiga Mesopotâmia para construir uma torre, como relata a Bíblia. Eis aqui algumas semelhanças.
Babel era um grande ajuntamento humano, todavia, não havia comunhão nenhuma entre seus habitantes. Não são raros os casos de pessoas que moram em certo local e não conhecem seus vizinhos. Os ônibus circulam lotados de pessoas que parecem viver sozinhas com seus mundos criados a partir de seus fones de ouvidos. Os smartphones parecem também criar vários universos paralelos. Nossa cidade é uma das mais populosas do Brasil, mas conseguimos em poucos minutos falar o nome de todas as pessoas com as quais nos relacionamos cotidianamente.
Babel era a clara expressão do orgulho humano e da autoproteção. Os habitantes de Babel sonhavam em construir uma torre que chegasse aos céus. Queriam ser grandes, únicos e poderosos. O testemunho da história nos fez saber que seu tempo passou. Outros povos poderosos surgiram e deixaram de existir como Babel. Nosso orgulho e egoísmo podem fazer sucumbir nossa sociedade. E nem adiantou queimar bem os tijolos e colocar betume. Nossa autoproteção nos faz evitar contatos. Faz-nos desconfiar de tudo. No final, ficaremos apenas nós e nossa autoproteção.

E agindo dessa forma, estamos construindo uma cidade desigual. Uma expressão clara de nosso pecado. A desigualdade de social em nossas cidades, assim como em outras cidades, é resultado de inúmeras relações sociais como as citadas em Babel. Fomos nós que reproduzimos isso. Pensar nossa cidade de outra maneira pode ser uma alternativa para juntos construirmos um modelo de cidade não semelhante à Babel. Deus nos abençoe.

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