Depois
disseram: "Vamos construir uma cidade, com uma torre que alcance os céus.
Assim nosso nome será famoso e não seremos espalhados pela face da terra".
Gn 11:4
“Os
sentimentos mais genuinamente humanos logo se desumanizam na cidade.” Eça de
Queirós
INTRODUÇÃO
Diversas
críticas já foram feitas aos sistemas religiosos por estes insistirem na
separação entre sagrado e profano. Essa separação é vantajosa aos líderes desse
sistema, pois, ao desvincular a prática cotidiana da prática espiritual,
permite que grande número de fiéis se transforme em pessoas comuns, ao passo
que os líderes se “especializam” em práticas espirituais e se tornam indivíduos
diferenciados das pessoas comuns.
Outro
fato que é resultado dessa separação é quanto à relevância dos templos. A prática
religiosa tornou-se essencialmente uma prática entreparedes. O templo passou a
ser o lócus da prática religiosa. É claro que várias organizações religiosas
estabelecem programas fora do templo. Programas geralmente voltados para um
público de pessoas que não faz parte de seu ciclo religioso. São programas
proselitistas. Quando estes programas extra templo não conseguem direcionar as
pessoas ao templo são tratados como fracasso.
Desse
modo, pensar a prática religiosa na rua é algo bastante complicado no atual contexto
religioso. Para muitos a rua é local da vadiagem, as esquinas são locais
perigosos, ocupadas por pessoas violentas, mas não local de adoração e louvor a
Deus. A cidade é totalmente negligenciada e esquecida.
Esquecemos
que a cidade é construída socialmente por todos nós. E ela é apenas a
materialização de nossas práticas sociais. A cidade é violenta porque pessoas
são violentas. A rua é deserta porque pessoas não a ocupam. A cidade é desigual
socialmente porque nós reproduzimos essa desigualdade. Quando tememos a cidade,
tememos nossa própria condição de homens.
Se
levarmos nossa prática religiosa para rua, ao invés de a restringirmos ao
templo e aos nossos encontros, poderemos transformar o estado de
vulnerabilidade social e ambiental de nossa cidade. Isso só acontecerá quando
admitirmos que o Reino de Deus é maior que nosso ciclo religioso. Admitirmos
que Deus é o Senhor de tudo e de todos. Admitirmos que todos podem ser “cidadãos”
do Reino do Pai. Se nossa relação com Deus pode nos transformar, então também
podemos transformar a cidade!
Uma cidade desigual: o
retrato da negligência com o meio ambiente e com o próximo.
O
relato de Genesis 1 e 2 mostra um Deus criador prezando e responsabilizando o
homem pela sua criação. De uma terra caótica, “sem forma de vazia”, Ele
estabelece um equilíbrio entre os seres vivos. O pecado é quem desfaz o
equilíbrio pensado por Deus. Uma sociedade desiquilibrada é resultado do
pecado.
Os
problemas sociais de nossa cidade só mostram nossa negligência em não observar
os princípios da criação e o amor ao próximo. Falamos de “próximo” aqui
considerando toda humanidade.
A
cidade de hoje é bem diferente da que imaginávamos há algumas décadas. Com os
avanços na tecnologia, na política e nos direitos individuais, poderíamos ter construído
a cidade marcada pela liberdade, igualdade e fraternidade. Cidade onde todos
tivessem oportunidades de emprego e acesso à cultura e ao lazer. Mas fizemos
justamente o contrário. Construímos a cidade da competição. Na cidade não há
espaço para todos. Uns devem morar bem, outros devem se sujeitar à precariedade
e sobreviver em condições muito ruins.
A
competição gera solidão. Não é difícil encontrar pessoas que não se relacionam
com seus vizinhos ou até nem sabe seus nomes. Não há comunicação. Poderíamos
até dizer que a cidade de hoje é uma grande Babel. Aquela velha história do
povo que se reuniu numa planície nas terras da antiga Mesopotâmia para
construir uma torre, como relata a Bíblia. Eis aqui algumas semelhanças.
Babel era um grande
ajuntamento humano, todavia, não havia comunhão nenhuma entre seus habitantes.
Não são raros os casos de pessoas que moram em certo local e não conhecem seus
vizinhos. Os ônibus circulam lotados de pessoas que parecem viver sozinhas com
seus mundos criados a partir de seus fones de ouvidos. Os smartphones parecem
também criar vários universos paralelos. Nossa cidade é uma das mais populosas
do Brasil, mas conseguimos em poucos minutos falar o nome de todas as pessoas
com as quais nos relacionamos cotidianamente.
Babel era a clara
expressão do orgulho humano e da autoproteção. Os
habitantes de Babel sonhavam em construir uma torre que chegasse aos céus.
Queriam ser grandes, únicos e poderosos. O testemunho da história nos fez saber
que seu tempo passou. Outros povos poderosos surgiram e deixaram de existir
como Babel. Nosso orgulho e egoísmo podem fazer sucumbir nossa sociedade. E nem
adiantou queimar bem os tijolos e colocar betume. Nossa autoproteção nos faz
evitar contatos. Faz-nos desconfiar de tudo. No final, ficaremos apenas nós e
nossa autoproteção.
E
agindo dessa forma, estamos construindo uma cidade desigual. Uma expressão
clara de nosso pecado. A desigualdade de social em nossas cidades, assim como
em outras cidades, é resultado de inúmeras relações sociais como as citadas em Babel.
Fomos nós que reproduzimos isso. Pensar nossa cidade de outra maneira pode ser
uma alternativa para juntos construirmos um modelo de cidade não semelhante à
Babel. Deus nos abençoe.
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