Por Carlos Moreira
"A nossa vida é um carnaval
A gente brinca escondendo a dor
E a fantasia do meu ideal
É você, meu amor
Sopraram cinzas no meu coração
Tocou silêncio em todos clarins
Caiu a máscara da ilusãoDos Pierrots e Arlequins"
Essa marchinha famosa – Turbilhão – talvez você não saiba, é
de autoria de Moacyr Franco. Dela transcrevi apenas uma parte, a que melhor
expressa o que penso em relação à festa de Momo.
Hoje é quarta feira de cinzas, e com ela o carnaval termina.
Foram dias maravilhosos, de alegria, euforia, emoção, festa, encontros e
felicidade. A grande maioria da população brasileira esperou o ano inteiro para
poder “celebrá-la”. Aliás, dizem os especialistas, nosso país só começa mesmo a
“funcionar” depois das festividades.
De fato, como na marchinha do Moacyr, a vida do brasileiro é
um carnaval. Mas diferentemente das frases utópicas citadas acima, a festa se
presta apenas a esconder a dor. Na verdade, não só ela, mas também o desespero,
a angústia, o medo, a solidão, a falta de ideal, o esvaziamento do ser, o
abandono da alma. Cinco dias de “folia” para extravasar tudo aquilo que se
acumulou na consciência e tornou-se entulho no coração durante um ano inteiro.
Convenhamos, é pouco...
Mas vamos celebrar! E celebraremos o que? Eu não sei...
Talvez as adolescentes totalmente embriagadas, vomitadas de cerveja, jogadas
num canto das ladeiras de Olinda ou abandonadas no fundo do salão de um clube
qualquer. Garotas sem pais, sem família, sem amigos, sem perspectivas, sem sonhos,
usadas como diversão nas mãos de gente matreira, pedaços de carne para se
apalpar, beijar, lamber, saborear, transar... Depois vem a realidade crua e
fria: descarta, joga no lixo, ninguém é de ninguém.
Quem sabe celebramos a vida dos garotos que consomem lança
perfume, cocaína, maconha, crack e bebida alcoólica para ficar “ligados”,
“espertos”, fazer “bonito” diante dos amigos. Aí vem aquela doideira, o estado
propício para dar uma garrafada em alguém, para juntar um bando e começar uma
briga, desferir golpes que destroem faces, roubam sonhos, ceifam vidas.
Talvez estejamos a celebrar o beijo vulgarizado, a
futilidade elevada à enésima potência, a vaidade alçada ao platô mais alto, a
sensualidade derramada como perfume barato, à vulgaridade posta como alto
estilo, o ser humano transformado em “besta”, animal não racional, ou como bem
disse o Alceu Valença: “bicho maluco beleza”!
Não seja tímido! Ainda há muito mais a se celebrar... Não
esqueçamos o sexo descompromissado, as orgias, o "amor" feito nos motéis,
com dois, com três, com vários. E ainda tem os bailes, sexo ao vivo, ali mesmo
no salão, ou a “pegação” dentro do carro, no meio da rua, no canto do muro,
detrás do matagal. Vale tudo! E vale mesmo! Ultrapassa até a letra do Tim Maia,
que dizia que “só não vale dançar homem com homem e nem mulher com mulher”. No
carnaval, pode homem com homem, mulher com mulher, travesti, transexual,
bissexual, é sexo “livre, leve, solto”. O importante é ter prazer, não importa
como, nem muito menos com quem.
Celebremos também as mortes! Por que não? Morte por assalto,
por estupro, por briga de bar, por briga de rua, por causa de mulher, por causa
de homem, por causa de nada! Celebremos as mortes dos que sofreram overdose,
dos que entraram em coma alcoólica e se foram, dos que pegaram seus carros,
dirigiram velozmente, atropelaram transeuntes, mataram inocentes, chocaram-se
com alguma árvore, ou com um poste qualquer. Ali deixaram esvair suas vidas:
tenras, frívolas, fúteis... E o que vem em seguida? Apenas horror: o IML
recolhendo corpos e os pais chorando na calçada e dizendo: “onde foi que eu
errei”... Não esqueçamos ainda da legião de anônimos que se matou por causa da
angústia, da solidão, da falta de paz, da falta de "chão".
Hoje é quarta feira, os clarins irão se calar, a máscara da
ilusão vai cair, a vida vai nos chamar de volta a realidade, nossa consciência
talvez acorde do sono profundo no qual mergulhou nestes dias. Sim, amanhã nos
depararemos com o saldo na “conta”, a dor no peito, o vazio na alma, a ressaca
moral, espiritual, emocional, a sensação de que nos coisificamos, perdemos
nossa essência, nossa solução interior, nossa inteireza, nosso ser.
Aí talvez alguém diga: socorro! Fomos assaltados! Roubaram
nossa alegria, nossa felicidade! Fomos arrastados pela multidão – não só dos
blocos – mas pelo “sistema”, nos tornamos massa de manobra, sujeitamo-nos ao
que não somos, experimentamos o que abominamos, curtimos o que nos dá náusea,
achamos bonito o que é feio, chamamos de alegria o que produz morte e dor.
Mas saiba, alguém lucrou muito com isto! Você tem alguma
idéia quem foi? Além do mais, não se engane, na festa de Momo, há uma enorme
indústria lucrando por trás de cada manisfestação, seja a que acontece nos
palcos, nos trios, nos blocos, nos salões ou nos desfiles. Eles sempre ganham,
você sempre perde...
Finalizo com outra marchinha de carnaval. Esta é do Luis
Bandeira, tão famosa quanto à primeira, também não menos real. Lamento
informar, mas restaram apenas cinzas, silêncio e solidão. Os confetes ficaram
no salão, vão para o lixo mais tarde...
É de fazer chorar
quando o dia amanhece
e obriga o frevo acabar
ó quarta-feira ingrata
chega tão depressa
só pra contrariar
Com respeito a quem gosta do carnaval, sinceramente, espero
que tenha valido a pena... Mas posso lhe afirmar, com absoluta certeza, não
valeu não...
Texto extraído do blog http://anovacristandade.blogspot.com/
Nenhum comentário:
Postar um comentário