segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Quando desobedecer é a única saída


Por Hermes C. Fernandes

Fonte: Genizah


Daniel viveu na Babilônia por muitos e muitos anos, talvez até o fim de sua vida. Sobreviveu a vários reinados. Assistiu à Babilônia ser tomada das mãos dos Caldeus, e entregue aos medos e persas. Independente de quem estivesse no poder, Daniel se mantinha fiel à sua consciência. Ele não estava comprometido com uma ideologia ou império, e sim com o Deus de seus pais.

Durante o reinado de Dario, o rei medo, Daniel foi vítima de uma conspiração.

“Todos os presidentes do reino, os prefeitos e sátrapas, conselheiros e governadores concordaram em que o rei devia baixar um decreto e fazer firme o interdito, que qualquer que, por espaço de trinta dias, fizer uma petição a qualquer deus, ou a qualquer homem, e não a ti, ó rei, seja lançado na cova dos leões” (Dn.6:7).

A arapuca estava armada. Bastava flagrar Daniel orando ao seu Deus para que este fosse lançado na cova dos leões. Era uma questão de tempo. Mas não muito tempo.

“Ora, quando Daniel soube que a escritura estava assinada, entrou em sua casa, no seu quarto em cima, onde estavam abertas as janelas para o lado de Jerusalém, e, três vezes ao dia, se punha de joelhos, orava e dava graças, diante do seu Deus, como também antes costumava fazer” (v.10).

Pode parecer simples, porém, orar é muito mais do que uma prática religiosa. Orar é conspirar! Orar é sabotar! Orar é emperrar as engrenagens deste mundo. É denunciar as injustiças. É ser cúmplice de Deus na implantação do Seu Reino na Terra. É, portanto, uma atitude subversiva, revolucionária.

Quem deixa de orar, acaba por conformar-se com o mundo. Perde a esperança. Torna-se cínico.

Daniel não se dobrou ante aquele decreto injusto. Ele o desobedeceu conscientemente.

Como podemos desobedecer a autoridades constituídas por Deus? Isso não contraria o ensino das Escrituras em Romanos 13?

“Toda pessoa esteja sujeita às autoridades superiores, pois não há autoridade que não venha de Deus. As autoridades que há foram ordenadas por Deus. Por isso, quem resiste à autoridade resiste à ordenação de Deus” (Rm.13:1-2a).

Mas não foi justamente isso que fizeram as parteiras hebréias que receberam ordem de Faraó para que matassem todos os recém-nascidos do sexo masculino? E se houvessem obedecido, o que teria sido de Moisés?

Como resolver este conflito? Creio que a resposta pode ser encontrada no episódio em que as autoridades judaicas proíbem os apóstolos Pedro e João de proclamarem o Evangelho e ensinarem em nome de Jesus (At.4:18).

Observe a resposta que eles deram:

“Julgai vós se é justo, diante de Deus, obedecer antes a vós do que a Deus?” (At.4:19).

Devemos obedecer às autoridades civis, desde que suas ordens e leis não conflitem com a vontade de Deus revelada nas Escrituras. Não confunda submissão com subserviência! É dever cristão insurgir-se contra qualquer autoridade que não esteja cumprindo seu dever de promover o bem e punir a injustiça, atribuições que lhe são requeridas na mesma passagem em que somos ordenados a submeter-nos a elas (Rm.13).

Um cristão verdadeiro não vai obedecer a seu chefe quando este lhe mandar mentir ou trapacear. Ainda que isto lhe custe a demissão.

Igualmente, os filhos devem submeter-se aos pais, bem como as esposas aos seus maridos, mas jamais trair a sua consciência fazendo o que for contrário à Palavra de Deus.

Temos o dever de rebelar-nos contra leis injustas, que favorecem a uns à custas de outros. Ainda que os beneficiados sejamos nós mesmos.

Insurgir-se contra a injustiça pode nos custar caro. Dietrich Bonhoeffer, proeminente teólogo alemão, pagou com sua própria vida, por resistir à autoridade nazista em nome de sua fé. A justificativa de seu ato pode ser encontrada no livro "Resistência e Submissão", de sua autoria.

Ao ser flagrado em oração, Daniel foi lançado na cova dos leões, conforme previa a lei. Porém, o Deus a quem devia total lealdade enviou Seu anjo para impedir que fosse devorado pelas feras.

Não devemos temer às ameaças daqueles que se nos opõem. Mesmo que não recebamos um livramento semelhante ao de Daniel, terá valido a pena manter-nos fiéis à nossa consciência.

domingo, 7 de outubro de 2012

Perdemos a fé ou amadurecemos?


Por André R. Fonseca

Fonte: Teologia et cetera

 — Dois homens foram ao Templo para orar. Um era fariseu, e o outro, cobrador de impostos. O fariseu ficou de pé e orou sozinho, assim: “Ó Deus, eu te agradeço porque não sou avarento, nem desonesto, nem imoral como as outras pessoas. Agradeço-te também porque não sou como este cobrador de impostos. Jejuo duas vezes por semana e te dou a décima parte de tudo o que ganho.”

— Mas o cobrador de impostos ficou de longe e nem levantava o rosto para o céu. Batia no peito e dizia: “Ó Deus, tem pena de mim, pois sou pecador!” E Jesus terminou, dizendo: — Eu afirmo a vocês que foi este homem, e não o outro, que voltou para casa em paz com Deus. Porque quem se engrandece será humilhado, e quem se humilha será engrandecido.. Lucas 18:11-14 [NTLH]





Ouvi uma amiga dizer que perdeu a fé. Na verdade, não foi a primeira vez que ouvi esta declaração; eu mesmo já me perguntei algumas vezes se não perdera a fé. Depois de muita reflexão e comparação de casos, concluí que não perdemos a fé; mas, como tudo na vida, amadurecemos. Só isso...  "Quando eu era criança, falava como criança, sentia como criança e pensava como criança. Agora que sou adulto, parei de agir como criança." 1 Coríntios 13:11 [NTLH]

O que deixamos para trás, na verdade, é a crença no mito, ou misticismo. Aquela crença ingênua em coisas quase supersticiosas que não encontram mais lugar numa nova realidade de fé amadurecida. A insistência em permanecer na idiossincrasia daquele grupo do qual você não faz mais parte é que lhe dá a impressão de que perdera a fé.

O engraçado é que, ao chegarmos neste ponto de nossa caminhada cristã, questionamos não somente a nossa fé, mas também a tal intimidade com Deus. Somo induzidos a pensar assim por uma quebra de paradigma, pois acredito que seja exatamente a nossa intimidade com Deus que nos proporciona o amadurecimento da fé. Nossa fé amadurece na proporção de nossa intimidade com Ele.

Outra questão essencial do amadurecimento cristão, embora esquecido pelo cristianismo moderno, está além do encontro com o transcendente. Todo cristão deveria buscar ter um encontro consigo mesmo. A experiência cristã deveria proporcionar ao crente uma descoberta de si mesmo. Filosofia e Religião nunca deveriam ter se separado! Onde está o cristão convertido pela percepção da realidade de quem ele mesmo é? A conversão ao cristianismo deveria ser fruto não só do encontro com o transcendente; mas, também, pelo encontro consigo mesmo... Santo Agostinho deveria ser nosso modelo!

Não! Não estou delirando. Quando Jesus Cristo nos ensina aquela parábola do fariseu e o publicano, não resta dúvida que o mais importante na experiência religiosa cristã está no encontro do cristão consigo mesmo. Já faz tempo que propugno meu pensamento a respeito disso: "A boa teologia é aquela que mostra as qualificações de Deus e as desqualificações do homem diante dEle." Portanto, não adianta buscar um encontro com Deus e ter intimidade com Ele se você mesmo não sabe quem você é! O publicano era réu confesso, e o fariseu não cometia aqueles pecados, observava a lei, parecia fazer tudo direitinho. Jesus Cristo não diz que aquelas alegações do fariseu eram falsas, bem que poderiam ser verdadeiras. Contudo, Jesus Cristo afirma que Deus não atentou para as qualidades do fariseu, mas o publicano teve um encontro com Deus e foi aceito por Ele, porque tivera, primeiramente, um encontro verdadeiro consigo mesmo. Como você poderia humilhar-se diante de Deus sem ter a mínima percepção de quem você realmente é? A falta de reconhecimento de quem eu verdadeiramente sou me faz agir como fariseu!

Se você está atravessando a mesma crise porque passou a olhar um pouco mais para dentro de si mesmo e abandonou a infantilidade espiritual, você está no caminho certo. Agora você é adulto e parou de agir como criança - 1 Coríntios 13:11 [NTLH].