sexta-feira, 6 de novembro de 2015

O EVANGELHO PARA UMA CIDADE DESIGUAL: os desafios socioambientais


“Cuidar do meio ambiente é, para mim, um compromisso de vida, um ministério. Não um ministério no sentido eclesiástico ou teológico, mas um ministério que tem suas raízes no cristianismo.” Mariana Silva
“No princípio criou Deus os Céus e a Terra” Gn 1:1.
Introdução
O relato da criação descrito no primeiro capítulo de Gênesis mostra-nos um detalhe importante. Deus cria um mundo harmonioso a partir de uma realidade caótica. A terra “sem forma e vazia” vai ganhando condições de habitabilidade. Flora e fauna são criadas e colocadas à disposição do homem. A história é testemunha de que temos sido negligentes com o meio ambiente. Flora e fauna têm sofrido prejuízos irreparáveis, e nós estamos sentindo na pele os impactos do desequilíbrio ambiental.
O processo de destruição do meio ambiente se acelerou desde a Revolução Industrial no século XVIII. Além do uso mais intenso dos recursos naturais, o grande crescimento das cidades sem o aumento das infraestruturas urbanas colocou a população em condições sanitárias bastante precárias. Rios e riachos que ocupavam o sítio urbano foram poluídos, tornando-se esgotos a céu aberto, ou foram desviados, canalizados, assoreados, ou simplesmente desapareceram por serem aterrados. Houve também um aumento significativo de lixo. O resultado desse aumento foi o acúmulo desses resíduos em lixões, sem o tratamento adequado. Séculos já passaram e ainda hoje a cidade sofre com esses problemas.
Os problemas ambientais são problemas sociais.
A afirmativa acima é um elemento importante. Somos parte da criação como um todo e devemos compreender que os problemas ambientais significam muito mais que um desequilíbrio ecológico; ele é, antes de tudo, um problema social nas cidades. Serão as pessoas mais pobres que sofrerão de forma mais árdua os problemas ambientais urbanos. Basta fazermos algumas perguntas: que classe social mora próxima a leitos dos rios em seus trechos mais degradados e poluídos? Quem mora vizinho a lixões? Que população habita próxima às áreas industriais e sofrem diariamente com a poluição? O sistema de saneamento ambiental (água, esgoto, resíduos sólidos e drenagem urbana) nas cidades é distribuído com equidade? Não precisa nem responder. Nós já sabemos a resposta.
O fato é que estamos reproduzindo uma cidade em que algumas pessoas pagam mais caro por um erro de todos. Isso configura uma desigualdade e uma injustiça. E o pior: quem paga mais caro é a parcela da população que mais necessita de ajuda. Somos, enquanto sociedade, culpados por essa desigualdade. De alguma forma, nós corroboramos com esse sofrimento dos mais pobres.
Mas por que não percebemos isso?
Historicamente, negligenciamos muito as questões ambientais. Aliás, vários críticos apontam o cristianismo como um sistema que não dá importância às questões ambientais. Para eles, os cristãos não se importam com os elementos da natureza, assim como fazem as religiões de matriz africana. Os sistemas religiosos de matriz africana apresentam grande devoção aos fenômenos naturais. Eles mostram reverência e devoção aos elementos naturais. Eles os respeitam e os temem.
O monoteísmo judaico-cristão adora a um Deus pessoal que é totalmente diferente e independente das coisas criadas. Ele não se confunde com suas criaturas. Além disso, preterimos a ideia de dar grande importância às criaturas. É claro que Deus não está consubstanciado na natureza, como prega o panteísmo, todavia, as criaturas de Deus proclamam sua glória. Como propôs o salmista: "Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos" (Salmo 19.1). Se os céus declaram a glória do pai, a negligência de nossa sociedade a deturpa com uma grande quantidade de poluição jogada na atmosfera e no aumento do buraco na camada de ozônio. O pecado de nossa sociedade a impede de ver com clareza a glória de Deus na criação. Todavia, devemos acreditar que a glória do Senhor encherá toda a terra (Nm 14:21).
Assim na terra como no céu.
Outro fator que nos fez negligenciar nossas responsabilidades terrenas foi nossa busca desenfreada pelo céu. Quando pensamos em aquecimento global, enchentes nas cidades, surto de doenças em comunidades pobres que moram próximas a rios, ou deslizamento de terra que acabou com dezenas de casas construídas sobre um antigo lixão, pensamos no Reino do porvir. Nossa presunção e egoísmo não nos deixa enxergar que também temos nossa parcela de culpa. E ao invés de repensar sobre nosso papel na construção da sociedade, alguns usam essas catástrofes para pregarem um “evangelho” do medo a fim de “converter” as pessoas.
O Reino de Deus se realiza tanto nessa terra como no porvir. A vontade de Deus deve se manifestar tanto aqui como céu. O equilíbrio e a harmonia que ansiamos no céu, devemos ansiar para a terra também.
A nossa cidade
Assim como nas outras capitais do país, a cidade de Fortaleza apresenta um cenário de vulnerabilidade para um significativo número de seus habitantes. Os casos mais emblemáticos são das comunidades que vivem próximo aos leitos dos rios. A maior parte dessas comunidades está nas margens do rio Maranguapinho, que corta um trecho significativo da periferia sudoeste de Fortaleza. Aliada à precariedade social (é nessa área em que se encontram os bairros mais pobres da cidade), a vulnerabilidade ambiental intensifica o processo de exclusão das pessoas mais pobres que moram nessas comunidades. Além das comunidades do Maranguapinho, alguns casos próximos ao rio Cocó e ao litoral (principalmente o oeste) da cidade também apresentam sérios problemas socioambientais.
Em suma
O entendimento de nossa cidade é o primeiro passo para refletirmos sobre nossa fé e nossa relevância social considerando toda criação de Deus. Algumas pessoas estão sofrendo mais por conta do desequilíbrio causado por todos nós enquanto sociedade. Além de estender a mão a estes desditosos, é necessário lutarmos contra toda essa produção desigual do espaço em nossa cidade. Deus nos abençoe.